Por Welton Trindade
Nem desde a volta das eleições diretas para presidente da República em 1989 nem nas últimas décadas em que a cidadania LGBT conseguiu entrar no debate político e eleitoral das disputas ao Palácio do Planalto.
Não, não tivemos em todo esse tempo, nenhum postulante com chance de chegar a topo do Poder Executivo federal que tivesse dentre suas falas coisas tais como "bater em dois bigodudos se beijando" ou "consertar a criança com tendências homossexuais à base de palmada".
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Tivemos em 2018! E ele venceu!
Carlos Drummond de Andrade disse: "E agora, José?". Pois esse é o estado de desnorteio hoje sentido por LGBT cientes do risco que Jair Bolsonaro (PSL) representa para nossos direitos e ao respeito à diversidade de orientação sexual e identidade de gênero no Brasil.
Perto que estou de completar 19 anos de ativismo, permita-me debulhar cinco estratégias de ação que o movimento LGBT e LGBT (diferença muitas vezes irrelevante, outras bem necessária) precisamos adotar para reduzirmos os danos dos tempos que já se iniciaram: verde-oliva de novo no poder. Arco-íris com fome de continuar a poder... viver e ser respeitado.
1) Rejeitarmos ser usados pelos partidos de esquerda
Agradecemos sim aos partidos de esquerda, principalmente no Congresso Nacional, por tudo o que fazem por nossa causa, mas estabeleçamos um outro nível de relação: eles são parceiros valorosos, mas não são donos de nossa pauta nem possuem o direito de usar nossas bandeiras para hastear interesses estranhos à nossa luta!
O Fora Temer tinha a ver o que com o movimento LGBT, por exemplo? Nada! Mas as entidades nacionais LGBT, tomadas por petistas e comunistas, usaram o arco-íris para fazer o jogo de suas cúpulas partidárias.
Abjeto muitas paradas LGBT, por exemplo, terem empunhado esse grito! Deslealdade com nossos princípios!
Sim, quando ativistas LGBT filiados a partidos políticos se veem convocados a servir a suas agremiações, saiba, a pauta LGBT vira apenas um joguete para eles! Cobremos desses utilitaristas que cessem com essa postura.
Em tempo: quem perdeu a eleição foi o PT. Não foram nós LGBT!
2) Ampliemos o diálogo político-partidário
Temos de ter um objetivo nítido: ampliar para além de barreiras partidárias o respeito à cidadania LGBT. Na esquerda, de forma geral (mas sem idealizações) temos muitos bons frutos. Dentre liberais, bom sinal vem em certa medida do Partido Novo.
Na centro-direita, ACM Neto e o ex-ministro da Educação José Mendonça Filho, ambos do DEM, têm lista de ações pró-LGBT. PSDB, um boníssimo exemplo.
Viu como estamos indo bem? Continuemos!
Temos de dar todo apoio às conversas que já nasceram no Congresso Nacional de criar frente suprapartidária em defesa de direitos de segmentos, aí LGBT. Nossos inimigos são aqueles contra nossas reinvidicações. E os amigos, quem se propõe a estar conosco. A priori, ninguém é coisa alguma!
Esqueçamos os partidos como blocos, que de totalmente santos e completamente impuros não têm nada. Reforcemos as mãos dadas. Aproveitemos as frestras (inclusive no PSL. Isso mesmo!)
3) Tomemos as redes sociais e os sites
A guerra cultural está posta. O tête-à-tête, embora importante ainda, transformou-se em front menor. O principal campo de batalha há muito - agora de forma aguda - é feito de bits e bytes.
Chega a ser estranho falar para LGBT tomarem conta desse universo já que, por termos alta renda no geral e sermos adotantes rápidos de tecnologias, nele vemos um habitat arco-íris quase natural. Mas precisamos de mais e melhor.
É urgente produzirmos contrapropagandas. Saiu fake news de mamadeira de piroca, temos de produzir ou difundir a informação correta. Vieram desqualificações de pergunta sobre pajubá no Enem, expliquemos que não se pergunta ali conhecimento em si do dialeto...
Fica a sugestão para uma entidade LGBT ou grupo de LGBT de publicidade e jornalismo vire central de criação de tal desmentidos e defesas. Sites LGBT também são importantes aí (e conte conosco).
Ah, sim, viu uma série de comentários contra LGBT em uma reportagem? No Youtube? Vá lá e deixe sua opinião a nosso favor! Temos de quebrar a ideia de que o discurso contra nós é quase unamidade. Tal impressão nos prejudica. Paremos de só ver e lamentar!
4) Alerta sim! Alarmismo não!
Sem essa de que devamos esperar o governo Bolsonaro andar. O futuro excelentíssimo senhor não tem ideia de como governar! Sabe nada de quase tudo! Até ler é uma dificuldade para ele!
E durante mesmo a campanha, ele teve de pelo menos mostrar que não estava em guerra contra LGBT. Isso já é um bom sinal, creia!
Assim, a estratégia não é deixar que ele aja contra nós para só depois entrarmos em jogo, mas já deixar claro que não sairá barato para ele politicamente se realmente mexer conosco. Mostrarmos os dentes (ou unhas bem feitas e afiadas, fica a seu critério)!
Isso é estar em alerta. Agora, abaixo ao alarmismo!
A corrida ao casamento antes da posse dele, por exemplo, é estapafúrdia do ponto de vista legal. Sim, veio de uma jurista reconhecida, mas não para em pé.
Já qualificar que vivemos um regime facista sem o nobre senhor nem ter esquentado a poltrona do Palácio do Planalto é molecagem (não se esqueça de evitarmos ser bonecos de ventríloco de quem perdeu a eleição. Volte ao ponto 1).
Nossa luta tem de ser feita de forma empoderada! Não débil (como posto antes) nem debilitante.
O Brasil é um dos países mais avançados do mundo em direitos LGBT. E aqui não cabe se você concorda ou não! Isso é fato assim como o sol é quente (você concordando ou não)! Conquistamos muitos e podemos conquistar muito mais e sem retroceder.
E pare de dizer que o Brasil é um país homofóbico! Dizer isso é demonstrar que não lê notícias, no máximo dá like em meme! E denuncia o nível intelectual que deixa a dever!
Veja as pesquisas: maioria dos brasileiros são a favor do casamento e da adoção por homossexuais, por exemplo! Isso é força nossa! Mas gente má (informada, resolvida e/ou intencionada) só sabe reclamar e pintar o Brasil como um país da África Subsaariana! Ah, nos poupe, se poupe, poupe o cosmos!
5) Paremos com guerras internas
Vamos de metáfora: o furacão está vindo e você está discutindo onde colocar o quadro. Ei, é a casa inteira que pode voar!
Ordem de letras, a tara de fazer da sigla um abecedário incompreensível até para nós mesmos, neologismos trava-língua, meteção de x, uma tal de quem sofre mais, quem sofre menos, quem sofre mais ou menos, um separatismo de marchas identitárias e muitos etc.
Alguém sabe soletrar as palavras prioridade e centralidade? Até porque se for para rodar, não se preocupem, o branco gay bombado ou a lésbica "preta periférica" vamos todos. E aí, unidozinhos!
Ao transformarmos nosso movimento em um fraticídio com trilha sonora de Pabllo Vittar e Aretuza Lovi, sabe o jogo de quem estamos fazendo? Dos nossos maiores inimigos! Tenha certeza, tá ok?