A polícia do Egito tem usado aplicativos para encontrar gays e prendê-los. Por muitas vezes, a corporação forja provas. Estrangeiros não escapam da perseguição
Ainda que não exista lei contra a homossexualidade no país africano, a polícia tem usado, segundo reportagem da BBC, uma lei que fala de trabalho sexual para prender gays e bissexuais sob crime de "libertinagem".
A publicação teve acesso a transcrições que constam em relatórios policiais. Em alguns dos casos, os oficiais disfarçados tentam pressionar os homens, que estavam apenas buscando encontros ou novas amizades, a concordarem em fazer sexo por dinheiro.
Especialistas jurídicos do país disseram que provar que houve troca em dinheiro ou mesmo oferta neste sentido pode dar às autoridades a munição que precisam para levar o caso aos tribunais.
Uma das vítimas que passou pelo processo é identificada na reportagem como Laith. Em 2018, o dançarino recebeu mensagem supostamente de um amigo em seu telefone.
O "amigo" o convidou para tomar um drink. Ao chegar ao local, Laith foi recebido por policiais que o prenderam. Laith tem uma cicatriz resultado de um cigarro apagado em seu braço por um policial.
"Foi a única vez na minha vida que tentei me matar", desabafou a vítima. Após a prisão, segundo Laith, a polícia fez perfil falso seu no aplicativo de encontros WhosHere e alterou suas imagens para parecerem explícitas. Depois, a polícia teria simulado uma conversa para parecer que ele estava oferecendo sexo em troca de dinheiro.
De acordo com Laith, a adulteração das imagens é tosca. As pernas da foto claramente não são suas e uma é maior que a outra. Ainda assim, ele foi condenado por três meses de detenção reduzidos a um mês após apelação.
Na prisão, policiais pressionaram para que ele dissesse nomes de outros gays que conhecia.
O próprio governo do país - de maioria muçulmana - já admitiu que persegue homossexuais em plataformas on-line.
Em 2020, o ex-assistente do ministro do Interior para Crimes na Internet e Tráfico Humano, Ahmed Taher, disse ao jornal local Al Masr: "Recrutamos policiais no mundo virtual para descobrir as festas de sexo grupal, as reuniões homossexuais".
Uma outra conversa mostra como era a abordagem dos policiais disfarçados no app: "Você já dormiu com homens antes?", pergunta o oficial. "Sim", responde a vítima. "Que tal nos encontrarmos?", induz o policial. "Mas eu moro com a minha mãe e meu pai", responde o rapaz. "Vamos, lindo, não tenha vergonha. Podemos nos encontrar em lugar público e depois irmos para meu apartamento", engana o policial.
Além do governo, gangues criminosas também aproveitam-se do app para encontrar gays e os chantagearem e os torturarem.
A publicação teve acesso a pelo menos quatro vídeos de gangues que aterrorizam homossexuais.
Em um dos vídeos, um jovem gay de 18 anos é forçado a dizer que é profissional do sexo. O rapaz contou à BBC que considerou a hipótese de ir à Justiça contra os abusadores, mas seu advogado o desaconselhou dizendo que sua sexualidade seria considerada crime maior do que o ataque que sofreu.
O rapaz perdeu contato com a família, que o renegou após receber o vídeo como tentativa de chantagem pelos criminosos.
"Tenho sofrido de depressão depois do que aconteceu, com os vídeos circulando para todos os meus amigos no Egito. Não saio e não tenho telefone", lamentou o adolescente.
Após contato da reportagem, o WhosHere retirou a opção "procurando pelo mesmo sexo" no Egito. Especialistas ouvidos disseram que o app parece ser vulnerável, o que permite que hackers obtenham informações dos usuários, como a geolocalização.
O governo egípcio não quis se manifestar.
Você já ouviu os lançamentos de artistas LGBT ou com foco na comunidade? Siga nossa playlist Rainbow Hits no Spotify que é atualizada constantemente com as melhores do ano do pop, eletrônico e MPB de várias partes do mundo.