Em 28 de junho, eles celebram o orgulho de serem gays. Em 20 de novembro, reforçam a consciência negra. Homossexuais negros sabem muito bem como é ter essas duas identidades, mas como o movimento racial lidou e lida com a causa e as pessoas LGBT?
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Conversamos com três importantes lideranças sociais tanto LGBT quanto negras. E a conclusão é que há cada vez mais abertura na seara racial para o arco-íris! Mas o caminho não foi fácil!
Presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, recorda os anos 1980 e não sente saudades.
"Aqui na Bahia, o movimento começa com o Ilê Ayê, seguido do Movimento Negro Unificado (MNU). Antes havia a expressão 'Além de preto, viado', o que existe ainda hoje, mas isso era falado por lideranças negras. Nossas agendas não sensibilizavam porque o estigma de ser gay era muito forte e eles acreditavam que isso era, acredite, coisa de branco."
A rejeição a homossexuais era tamanha que sua presença era vetada em um bloco de afirmação negra chamada Os Negões, que marcou a luta racial na Bahia. "Nem gays nem homens com menos de 1,80 m de altura eram aceitos. Absurdo!", se indigna Cerqueira.
Os anos 1990 vieram, mas ainda o cinza predominava. O atual presidente da União Nacional LGBT (Una LGBT), Andrey Lemos, lembra que entrou primeiramente no movimento negro, em 1995. O cenário encontrado não foi um dos melhores.
"Não havia debate sobre sexualidade. Mal tinha abertura para questões de saúde e mulheres, pautas mais aceitas digamos assim na sociedade. A atuação era apenas racial. Tivemos de ir abrindo caminhos dentro do movimento negro para dar visibilidade a pessoas e à questão LGBT. Não foi algo dado, foi conquistado."
O hoje mundialmente conhecido grupo cultural Olodum, na Bahia, merece estar presente na história da identidade LGBT. A razão? Cerqueira explica que foi graças a esse coletivo que a temática e as pessoas LGBT negras conseguiram reconhecimento interno na questão racial.
"Essa negação a LGBT mudou um pouco com o crescimento do Olodum, criado na zona de prostituição e que incluía as travestis do Pelourinho. O som da banda atraía todos os discriminados: putas, bichas, travestis, gayzinhos brancos e negros juntos dançando a batida forte do Olodum. O Olodum abre espaço por meio da música a essa comunidade e também no discurso. Essa multicultura inclusiva do Olodum, com ápice nos anos 1990, fez contraponto ao Ilê Ayê, que se mantinha fechado a essas questões as quais chamamos hoje de orientação sexual."
O ritmo dos tambores podia ser acelerado, mas o da inclusão de homossexuais até a presença deles na linha de frente do movimento negro foi lento.
Apenas em 2011, a Unegro, segundo coletivo nacional mais antigo do Brasil de luta pela questão negra, teve um coordenador gay, lembra Andrey, que fala de sua posse.
"Foi uma conquista e tanto ter um gay no topo da direção. A partir daí, as coisas começaram a avançar. Por exemplo, na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial em pouco tempo conseguimos ter LGBT como eixo temático."
Andrey também credita a mudança a outra razão. "Mulheres negras ajudaram muito nessa inserção de orientação sexual e identidade de gênero. Elas levaram a luta delas e junto com a nossa, principalmente das lésbicas e mulheres bis. E depois das trans."
Importante liderança LGBT de Alagoas, o professor Allex Sander Souza, que integra o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, entidade vinculada aos agentes da Pastoral Negros do Brasil, afirma que atualmente consciência negra e orgulho LGBT caminham mais lado a lado.
"Não posso generalizar, mas dentro do Anajô eu fui muito bem aceito como gay e consegui fazer série de atividades voltadas para pessoas negras LGBT. E fui indicado por essas entidades para integrar e depois conseguir presidir o Conselho Estadual LGBT. Isso revela que temos conseguido desconstruir sim preconceitos contra LGBT na luta negra."