Daniel Rodrigues*
Não é raro nem novidade a publicização e defesa de discursos advogando pela relativização e desconstrução do conceito de homossexualidade e identidade gay. Lamentavelmente essa prática é feita tanto pelos setores conservadores quanto pelos setores "progressistas".
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Recentemente o cantor Mateus Carrilho, declaramente gay, fez um post que gerou certa polêmica que, a meu ver, foi muito mais negativa do que positiva.
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Integralmente, a declaração foi a seguinte: "Já me considerei gay, homem que só sente tesão em outro homem. Hoje eu me desconstruí e entendi que sexo e prazer vão além de uma só definida orientação sexual, vale se permitir e somos mais que uma coisa só".
A parte problemática da declaração é a qual ele afirma que "sexo e prazer vão além de uma só definida orientação sexual" e que "somos mais que uma coisa só".
É óbvio que qualquer um pode se definir como bem entender, mesmo que não haja coerência entre definição escolhida, desejo e exercício desse desejo.
O problemático de sua declaração está na parte em que, com base em sua experiência pessoal, a extrapola e faz definições conceituais para a sexualidade no todo. Fica a ideia de que o que vale para ele vale para todo mundo.
O problema essencial da postura do artista está na defesa de que todos, não só ele, somos "fluidos" ou necessariamente bissexuais.
Há, portanto, um subtexto aí muito claro de depreciação da homossexualidade exclusiva, em favor de outra sexualidade que necessariamente inclua ter relações heterossexuais.
A sexualidade só é válida se incluir desejo a pessoas do sexo diferente. Sim, você já ouviu isso da boca muitos preconceituosos. E agora ouviu de um "libertador"!
O que sobra da afirmação é juízo de valor depreciativo em relação à identidade gay, como se ela fosse um entrave para a liberdade sexual e como se ter exclusivamente relações gays fossem um demérito e uma vivência no mínimo insuficiente para a plena realização pessoal.
É um discurso que tenta se fazer de politicamente desconstruído, mas que no final das contas é um discurso homofóbico tendo em vista que, historicamente, a identidade gay tem sido cerceada, difamada e até mesmo proibida em diversas partes do mundo.
Dizer que sexo e prazer não têm relação com orientação sexual e quem ninguém é uma coisa só é análogo ao discurso de religiosos extremistas de que ser gay é apenas um "comportamento" e que "não existe gene gay". Ambos os discursos são, de forma explícita ou implícita, demeritosos contra a homossexualidade e sem respaldo científico sério.
A prerrogativa que os indivíduos têm de vivenciar uma sexualidade "fluida" ou simplesmente bissexual, não os autoriza a questionar direta ou indiretamente as sexualidades específicas das demais pessoas de forma universalista e falaciosa tal como foi feito.
A falácia do "sou contra rótulos" e "ninguém é uma coisa só" não gera nada além de alienação política e invisibilidade das pessoas que vivem fora da norma padrão da sociedade.
É preciso portanto diferenciar o “rótulo” (que nada mais são que os substantivos usados na comunicação verbal) enquanto artifício de classificação discriminatória, do “rótulo” enquanto arma de posicionamento político e afirmação identitária positiva.
*Daniel Rodrigues é bibliotecário e administração da página e grupo LGBT Brasil e da página Resistência Gay.