Por Welton Trindade
Olhar a foto do movimento LGBT tirada neste início de 2023 revela-o sem referências históricas e desrespeitoso, por autocovardia, com quem o constrói realmente.
Para poder esquecer a tristeza dessa imagem, uma das boas saídas é ver o documentário Quando Ousamos Existir - Uma História do Movimento LGBTI Brasileiro.
O longa de 2022 tem direção de um dos mais importantes ativistas LGBT do País, Cláudio Nascimento, e do estudioso Márcio Caetano.
Na trajetória da obra, houve lançamentos em diversas capitais e participação em festivais nacionais e internacionais e seis prêmios, dentre eles o de melhor filme do Festival de Cinema de Estocolmo e do Festival de Cinema e Direitos Humanos de Maringá, onde também levou a honraria de melhor produção LGBT brasileira.
Até 28 de fevereiro, há a oportunidade de ver o filme gratuitamente no YouTube dentro da Mostra Sesc de Cinema.
Pobre em recursos visuais e de edição, o longa deve ser visto e elogiado pelo registro em primeira pessoa que ele constrói para mostrar quem deu a cara a tapa quando ser gay e lésbica não rendia likes nem era algo tão bem assimilado pela sociedade como é hoje apesar de alguns pesares.
Esqueça o terror do cancelamento e do politicamente correto censor da atualidade. O filme vai para o final dos anos 1970 e os primeiros anos dos 80 para tratar da, como é bem pontuado na fala da antropóloga Regina Facchini, primeira onda do movimento social homossexual organizado. E aí o terror tinha como origem tanto a sociedade, quanto a ditadura e a esquerda partidária.
Aliás, aí está outro mérito do filme: deixar em cacos "verdades" que hoje parecem vindas da eternidade. Nesse rol estão pontos tais como o fato de nem sempre a esquerda ter defendido a pauta gay e lésbica e que o movimento trans teria aberto caminho para a luta de gays e lésbicas, sendo que nem sequer nasceram juntos - a luta homossexual é anterior e independente.
Quando Ousamos Existir mostra que a cara que se colocou para apanhar era principalmente branca, masculina, da elite intelectual, de médio e alto padrão econômico e de quem rodava o mundo. Suas experiências pessoais é que trouxeram ao Brasil a efervescência identitária gay dos Estados Unidos e Europa.
Os agradecimentos devem ir a pioneiros que estão no documentário, tais como Luiz Mott, João Silvério Trevisan, Peter Fry, Edward McRae, Marisa Fernandes e James N. Green.
Nessa seara, os diretores erram de forma grave ao confundir a audiência por colocar no documentário personagens que em absolutamente nada atuaram no movimento organizado tal como assentido pela produção.
O psicólogo transexual João W. Nery e a ativista transexual gaúcha Marcelly Malta não tangem a história focada pelo registro nem em seus segmentos carregam pioneirismo como agentes no movimento organizado.
Noves fora essa licença injustificada, quem assiste ao filme aprende o quanto dois marcos do ativismo homossexual estiveram juntos: o jornal Lampião da Esquina (1978-1981) e o Grupo Somos de Afirmação Sexual (1979-1983).
São Paulo irradiava a necessidade de homossexuais se unirem para ser quem são. Brasília, Paraíba, Rio de Janeiro e Salvador, por exemplo, logo protagonizariam seu quinhão.
Em 1980, essa onda teve como epicentro a capital paulista no I Encontro Brasileiro de Homossexuais, com cerca de 10 coletivos, mas com centenas e centenas de presentes.
Nesse 2023, o Brasil chega como o segundo país com mais direitos arco-íris no mundo. E tão importante como comemorar esse fato é cumprir a cada dia algo que está na trilha sonora do filme: respeite minha memória. O filme ajuda e muito nessa missão.
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