Por Marcio Claesen
Há um ano, as caixas de som pararam de vibrar. As mãos para o alto para curtir a música baixaram e passaram a ficar lambuzadas em álcool em gel. Sorrisos pela canção preferida nem se existissem seriam vistos, pois moram agora atrás de máscaras.
As pessoas lamentam o fato de não poder ir para a balada. Querem diversão! E um grupo tem outro desejo impedido pelo fechamento dos clubes por conta da pandemia do novo coronavírius: os DJs. Eles querem trabalho!
Esse clima de fim de festa (e sem saber quando será a próxima) é que marca essa terça 9, Dia Internacional do DJ! Era para ser celebração, mas a data, como constatou o Guia Gay em conversa com alguns dos principais nomes da cena gay brasileira, tem sido apenas de reflexão mixada com persistência.
Destaque no circuito carioca, Andre Garça lamenta o que seria um ano marcante da sua carreira.
"Eu tinha feito um planejamento para 2020 que envolvia minha primeira turnê europeia, de abril a junho, voltando direto pra parada, onde pretendia fazer um show áudiovisual super bafo no domingo - que seria meu aniversário - pra começar minha carreira de produtor musical lançando um EP com três tracks com vocais originais."
Ele conta que em 13 anos de carreira, nunca havia deixado de tocar por três semanas seguidas.
"Fiquei sem chão! Eu tinha acabado de alugar um apartamento vazio e estava cheio de planos... A pandemia começou, eu tinha geladeira, fogão e microondas e um colchão. Foi assustador! E quem segurou minhas pontas com ajuda financeira foi minha mãe e uma amiga que mora fora do Brasil. E o auxílio emergencial, que só foi diminuindo."
Para ajudar a superar o período, Andre, que também é ator, adotou dois gatos, adquiriu plantas para cuidar e começou a escrever livro de memórias da noite carioca - ele foi criador em 2001 do site Cena Carioca.
Ocupar-se também foi a receita de Filipe Guerra, recifense com muito sucesso no eixo Rio-São Paulo. Sem tocar desde 3 de março de 2020, ele dedicou-se a fazer músicas para um EP e compor letras. Cabeça cheia de criatividade, mas também ocupada por desapontamento.
"Foi um ano extremamente difícil. Me deixou mentalmente exausto com a falta de empatia das pessoas", lamenta, sem dar detalhes.
Quem também não parou de produzir foi outra recifense, Las Bibas from Vizcaya, do casting da The Week São Paulo.
"Apesar do DJ ser uma das minhas profissões, eu sou uma musicista que toca, canta e produz as minhas músicas", ela destaca. "Então, com todo tempo livre, eu passei a focar na Las Bibas artista e venho produzindo sem parar desde que comecou esse lockdown".
Durante o ano, a DJ lançou oito singles e três álbuns e desenvolveu projeto paralelo, o Vizcaya, produzindo quatro remixes para a cantora Adriana Calcanhotto.
Também da The Week e reverenciado em grandes clubes pelo País, Tommy Love afirma que é seu próprio trabalho que o ajuda a passar pelo período crítico.
"Não foi um ano nada fácil", atesta. "Consegui sobreviver graças a royalties de direitos autorais das minhas produções, economias que vinha fazendo pra uma emergência, e atuando como jornalista, minha profissão de formação."
Outro DJ com carteira de trabalho recheada é o cearense Rafa Calvin. Professor de matemática, ele trocou o Recife, onde estava há quatro anos e tocando no badalado Clube Metrópole, pela sua Fortaleza natal, ao passar em concurso do Governo do Ceará.
"Eu sou professor há 14 anos. Encaro a profissão de DJ com muita seriedade, mas é minha segunda ocupação. Quem coloca o pão na minha mesa sempre foram minhas aulas."
Rafa, que toca há cinco anos, afirma que sentiu falta da renda que ganhava comandando as pick-ups. Ele pretende estudar produção e voltar a se dividir entre as duas áreas assim que a pandemia passe.
Falando nisso, quando o LED volta a brilhar?
"O cenário que temos pela frente é assustador", opina Tommy. "A pandemia parece estar longe de acabar, e o setor de eventos permanece na UTI."
"Sem perspectivas", concorda Andre. "Não sabemos quando teremos um ambiente seguro e ideal para volta da cena noturma. Até lá, vamos nos reinventando, não desistindo, juntando forças e tentando sobreviver."
Filipe é mais otimista. "Espero que esse ano a vacina salve nossas vidas. E principalmente que as pessoas tenham mais amor pelos outros."
"Não apenas os DJs estão sofrendo", lembra Rafa. "A tia que vende bombom, o pessoal da segurança, o apoio da boate, os próprios promoters. Não está fácil. Só com a vacina tudo isso poderá voltar a se estabilizar."
"Não consigo ver um futuro para 2021", afirma Las Bibas. "Com o negacionismo do presidente, a péssima logística da vacina, os brasileiros surtados em festas clandestisnas como se não houvesse amanhã... Por mais otimista que eu seja (e sou), não consigo ver o final desse túnel tão cedo."
Esse pessimismo é sentido também por Andre, que aponta com tristeza um grupo que deveria ser o primeiro a ajudar.
"Fiquei de olho nas lives, sets, doações... Quando se quis contar o público... Mas logo vi que não era solução! As pessoas gastam 100, 200 reais em festa clandestina, com aditivos em casa vendo uma live, ouvindo um set no Soundcloud, mas não têm a atitude e consciência de ajudar os artistas que eles consomem."
É quando "as pessoas de bem da balada" olham no globo de espelhos e veem o presidente!