Livro mostra quem deu a cara a tapa pela cidadania gay: os gays

'LGBT+ na Luta. Avanços e retrocessos', da estadunidense Laura A. Belmonte, é nova obra fundamental sobre ativismo LGBT

Publicado em 15/04/2024
mattachine society
Reunião do Mattachine Society: ativismo gay pré-Stonewall

Por Welton Trindade

A lista de leituras obrigatórias para entender o movimento LGBT cresceu. Nela, figuram, por exemplo, a grande obra Devassos no Paraíso, de João Silvério Trevisan, Na Trilha do Arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT, de Júlio Assis Simões e Regina Facchini, e Imprensa Gay no Brasil, de Flávia Péret.

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Esses explicam o movimento de purpurina verde-e-amarela. E para entender o ativismo LGBT no mundo? Eis que o Brasil ganha edição do aqui intitulado LGBT+ na Luta. Avanços e retrocessos, lançado pela Editora Contexto. A autora é a ativista lésbica, reitora e historiadora Laura A. Belmonte, dos Estados Unidos. 

Sim, há muito do que ocorreu no país dela, mas a obra sai bem desse umbiguismo.

São registrados, por exemplo, o pioneirismo sul-americano do grupo ativista Nuestro Mundo na Argentina nos anos 1960, a Frente de Liberação Homossexual do México nos anos 1970, e Frente Revolucionária Unitária Homossexual, também setentista, na Itália.

Há foto de 2020 da iluminação arco-íris no Congresso Nacional feita pelo coletivo Brasília Orgulho e registro em imagem da parada de São Paulo.

Como marca o decano do movimento LGBT brasileiro Luiz Mott, que faz o prefácio da obra, o Brasil é citado mais de 30 vezes. 

É ponto positivo como a autora, em linha do tempo, conduz o leitor pelo mundo cheio de gritos, revolta e sangue da luta arco-íris por cidadania e respeito. E interessante notar como julgamentos de homossexuais em várias partes do mundo foram marcos de luta. 

Essa viagem histórica e ativista choca muitas vezes. Estados Unidos e Canadá viveram durante a Guerra Fria (1947 a 1989) o Medo Lavanda (Lavanda Scare): movimento de pânico moral que fazia governantes procurarem "homossexuais e outros indivíduos sexualmente pervertidos" dentre funcionários públicos federais para demiti-los. 

A base para tal era diagnóstico de que aquelas pessoas eram emocionalmente instáveis, sem moralidade e aliciadoras. Esse pensamento também sustentou por décadas regra que impedia homossexuais estrangeiros de entrar em território estadunidense. Sim, por motivos tais como uma obra literária homossexual ou a carta de amor de um homem na mala, seu dono era deportado. 

A leitura do livro por vezes é dolorosa. Quanta luta e sofrimento pavimentaram nosso caminho até aqui!

O que sentir ao saber que de todos os grupos perseguidos pelo nazismo, homossexuais foram os únicos que não ganharam liberdade?! Sim, as nascentes novas Alemanhas obrigaram homossexuais a continuar a cumprir pena de prisão determinada pelo regime anterior. 

O livro também detalha muito bem a luta pela revogação do chamado parágrafo 175, que considerava crime a homossexualidade na Alemanha.

gay nazismo
Gays na Alemanha não foram libertos com queda do nazismo

Também é revoltante ver como a Revolução Bolchevique derrubou a criminalização entre sexo entre dois homens adultos nos anos 1920 na Rússia e saber como o país está hoje. 

Na então Tchecoslováquia, primeiro médico a estudar fluxo de sangue no pênis para avaliar se um homem era gay ou hetéro chegou à conclusão, nos anos 1950, que era impossível mudar a orientação sexual.  

A leitura da obra não te deixa esquecer que houve resistência até do movimento de direitos humanos, a exemplo da Anistia Internacional, e da Organização das Nações Unidas (ONU) em reconhecer que homossexuais mereciam proteção e cidadania. 

As informações abundam no livro, que é fonte para muitos dados e histórias. Daí ser um erro a edição não ter feito índice remissivo. 

Uma das dádivas proporcionadas pela obra é a libertação das fake histories que circulam pelos Twitter (X) da vida.

Revolta de Stonewall iniciou o movimento LGBT? Ora, as primeiras páginas nos levam ao século 19 e já apontam aí o início da luta gay. 

Não sei que segmento foi a linha de frente e abriu caminho para gays? Cada passar de parágrafo faz você se envergonhar de um dia ter dito ou ouvido isso! Razão? Quem do Vale que estava aí foram tão somente, de forma geral, gays! 

Começa-se pelo pioneiro Karl Heinrich Ulrichs, alemão que, em 1862, depois de um amigo ser preso por "indecência com outro homem", passou a construir teoria para defender o respeito à homossexualidade.

Achava que ser "uraniano" era ter corpo de homem com psique feminina. Caminhos errados, mas trilhados pela liberdade.

Foi a partir da influência de Ulrichs que, anos mais tarde, Karl-Maria Benkert, húngaro germânico, cunhou os termos "homossexual e heterossexual". 

Magnus Hirschfeld é outro nome. Também inspirado por Ulrichs, a partir do fim do século 19 passou a escrever contra o parágrafo 175 na sua Alemanha, rejeitava o pensamento de que ser homossexual fosse doença e defendia que o Estado não tinha de interferir na vida íntima dos cidadãos. 

Por suas mãos foi fundada a primeira organização em prol de homossexuais no globo, o Comitê Científico-Humanitário, em 1897. 

Ele também é exemplo de como gays colaboraram com outros segmentos. É de autoria de Hirschfeld, pela primeira vez na história, a distinção entre crossdressing, transgeneridade e homossexualidade. 

No pós-Primeira Grande Guerra, na Inglaterra, o subcomitê gay da Sociedade Britânica para o Estudo da Psicologia do Sexo distribuía panfletos como tentativa de convencer heterossexuais de que homossexuais não deveriam ser perseguidos. 

A primeira organização de que se teve notícia em defesa de gays nos Estados Unidos foi a Sociedade para os Direitos Humanos, de 1924, capitaneada por Henry Gerber, influenciado por Hirschfeld. 

Essa entidade teve como reverberação, depois de mais de 20 anos, na atitude de Harry Hay para fundar o Mattachine Society, de 1950 e fundamental pela luta pró-gay nos Estados Unidos. No ano seguinte, foi um gay, Edward Sagarin, que construiu estudo pioneiro sobre a vida de homossexuais naquele país. 

Peter Wildeblood fez panfletos e os distribuiu aos deputados britânicos para que lei anti-gays fosse revogada. Na França, André Baudry propagava sua forma moralista de ativismo gay em reuniões de até 200 pessoas nos anos 1950.

A leitura mostra que se há um segmento ao qual gays devem agradecer pela história de resistência em prol de seus direitos esse segmento é o de pessoas heterossexuais cisgêneras. Advogados, cientistas, políticos, psicólogos... Como foram importantes! 

Cada vez que alguém diz que não foram os gays os primeiros a dar a cara a tapa na luta pela sua própria cidadania, são os rostos de figuras tais como Sagarin, Hirschfeld, Ulrichs, Trevisan, Mott, Cláudio Nascimento e Toni Reis que são estapeados (de novo)! 

 

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